O futebol, como uma das maiores paixões nacionais no Brasil, tem sido historicamente utilizado como trampolim político por dirigentes que transformam clubes em bases eleitorais e torcedores em eleitores. A força simbólica e emocional dos times, ao invés de ser direcionada para o fortalecimento das instituições esportivas e seus respectivos legados, muitas vezes é desviada para projetos pessoais de poder. Esse fenômeno não é novo, mas segue como uma prática nefasta que subverte o espírito esportivo e coloca em risco a própria integridade dos clubes.
A História de Dirigentes Políticos no Futebol
Desde os tempos mais antigos, grandes dirigentes se aproveitaram da relação íntima entre o futebol e as massas para alcançar cargos públicos. No caso do Vasco da Gama, dois nomes históricos se destacam: Eurico Miranda e Roberto Dinamite.
Eurico Miranda, conhecido por sua postura autoritária e polêmica, foi presidente do Vasco em várias ocasiões e teve uma carreira longa e controversa na política. Ele foi eleito deputado federal por dois mandatos no Rio de Janeiro (1995-1999 e 1999-2003), usando sua posição no Vasco para construir um legado político. Eurico explorava o sentimento de pertencimento dos torcedores, vinculando sua imagem de “defensor do clube” à sua carreira pública. Em seus mandatos, defendia interesses que muitas vezes ultrapassavam o futebol, mas nunca se desconectava da base eleitoral vascaína que havia consolidado.
Roberto Dinamite, ídolo histórico do Vasco e maior artilheiro do clube, trilhou um caminho político após sua aposentadoria como jogador. Ele foi eleito vereador em 1992 e deputado estadual no Rio de Janeiro nos anos de 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010. Sua popularidade esportiva foi um fator crucial em suas vitórias eleitorais. Ao contrário de Eurico, Dinamite tinha uma postura mais conciliadora, mas a estratégia de alavancar sua carreira política sobre a imagem de ídolo do futebol seguiu a mesma lógica.
Outro exemplo notório é Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético Mineiro, que usou o sucesso e a revitalização do clube para projetar sua imagem pública. Kalil foi eleito prefeito de Belo Horizonte em 2016 e reeleito em 2020, em grande parte por sua associação com a torcida atleticana. Seu discurso como dirigente, marcado pela franqueza e pela promessa de "colocar ordem na casa", foi transferido para o âmbito político, ganhando adesão popular. Ele representava, para muitos, o "gestor eficiente", uma ideia que se propagou diretamente da sua administração no clube para o poder público.
Bebeto, Marcos Braz e Cacau Cotta: O Futebol no Palanque Atual
Atualmente, o uso eleitoral dos clubes de futebol continua firme, com figuras como Bebeto, Marcos Braz e Cacau Cotta, todos buscando, de maneira explícita ou implícita, usar suas conexões com o esporte para fins políticos.
Bebeto, um dos heróis da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1994, foi eleito deputado estadual no Rio de Janeiro por três vezes, por três partidos diferentes (PDT, Solidariedade e Podemos). Assim como Roberto Dinamite, Bebeto usou sua carreira esportiva e sua imagem de ídolo para se projetar politicamente. No entanto, sua passagem pela política foi marcada por pouca relevância legislativa, levantando a crítica de que sua popularidade no futebol não se traduziu em competência política. Em 2022 tentou uma vaga na Câmara Federal, não sendo eleito. Fato que se repetiu esse ano, quando tentou alcançar a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro e com os 8.125 votos que teve ficou apenas com a 1ª suplência.
Marcos Braz, atual vereador do Rio de Janeiro, utiliza sua posição de vice-presidente de futebol do Flamengo para construir sua carreira política. Eleito pelo PL, Braz explora a visibilidade que o Flamengo lhe dá para ampliar sua base eleitoral. No entanto, sua atuação na Câmara Municipal é marcada por ausências e baixa produtividade legislativa. Seu envolvimento em polêmicas, como a agressão a um torcedor em 2023, mostra seu total despreparo para a função que tentava reeleição esse ano. Com apenas 8.151 votos, a passagem de Braz pela Câmara de Vereadores chegará ao fim ao final da atual legislatura, mas Vice-Presidente de Futebol do Flamengo ainda tem esperanças de virar deputado federal visto que é o 1º suplente e existem deputados do PL ainda com chances de se tornarem prefeitos.
Outro nome em ascensão no cenário político é Cacau Cotta, ex-diretor de Relações Externas do Flamengo e candidato a vereador pelo PMDB. Assim como Marcos Braz, Cotta usa a imagem do Flamengo como plataforma para atrair votos, num esforço claro de instrumentalizar o clube para seus fins pessoais. O projeto de Cotta, no entanto, foi um grande fracasso nas urnas, conseguindo míseros 3.638 votos.
A proximidade de Braz e Cotta com as torcidas organizadas do Flamengo e o envolvimento em um sistema de cooptação das mesmas para obter apoio eleitoral levanta sérias questões éticas. As organizadas, que deveriam representar a voz apaixonada da torcida, são muitas vezes exploradas por dirigentes políticos que manipulam essa relação, subvertendo o propósito original dessas entidades.
Em todos esses casos, o que se observa é a manipulação da paixão dos torcedores em benefício de ambições políticas. Seja no passado com Eurico Miranda, Alexandre Kalil e Roberto Dinamite, ou no presente com Bebeto, Marcos Braz e Cacau Cotta, o uso dos clubes de futebol como trampolins políticos enfraquece as instituições esportivas e distorce o verdadeiro propósito do esporte. O envolvimento de dirigentes com torcidas organizadas para fins eleitorais, como ocorre no caso de Braz e Cotta, compromete ainda mais a transparência e a ética do processo.
Os clubes de futebol deveriam ser espaços de celebração do esporte, não de manipulação política. Ao transformar essas instituições em ferramentas de poder, os dirigentes colocam em risco não só a própria governança dos clubes, mas também a integridade das relações entre torcedores e seus times.
O uso eleitoral dos clubes de futebol é um fenômeno que atravessa gerações e continua a corromper a essência do esporte no Brasil. Enquanto figuras como Eurico Miranda, Roberto Dinamite e Alexandre Kalil consolidaram suas carreiras políticas nas costas de clubes e torcedores, o cenário atual, com nomes como Marcos Braz e Cacau Cotta, segue repetindo esse padrão. Cabe aos torcedores estarem atentos e entenderem que sua paixão pelo futebol não deve ser explorada como capital eleitoral por aqueles que, em vez de protegerem o clube, buscam apenas usá-lo como meio para alcançar poder. Esse ano, as urnas deram uma boa resposta contra essa prática.
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