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Violência, Ódio, Fascismo e Futebol


No coração da cultura latino-americana, o futebol é muito mais que um esporte: ele é uma expressão profunda de identidade, paixão e pertencimento. Para os povos latinos, especialmente para os brasileiros, o futebol transcende o campo e se enraíza como parte essencial da vida, das tradições e do imaginário coletivo. Das ruas às arquibancadas lotadas, o jogo traduz sonhos, esperanças e rivalidades que refletem, de forma única, a energia e a intensidade que marcam a nossa latinidade. No entanto, essa paixão, que poderia ser um dos mais belos legados culturais do continente, é frequentemente sequestrada pela masculinidade tóxica e suas práticas de violência.

 

Não é só a paixão pelo futebol que transcende fronteiras e culturas na América Latina, a violência entre torcedores é uma realidade que atravessa fronteiras. Incidentes recentes, no entanto, chamam atenção para como o futebol tem sido um campo fértil para ideologias perigosas e um potencial problema de segurança pública e diplomática, especialmente para Brasil, Argentina e Uruguai, países fundadores do Mercosul e com grandes torcidas no centro do problema.

 

Hoje, Botafogo e Peñarol se enfrentam no Uruguai pela semifinal da Copa Libertadores da América. O confronto teve que mudar para o Estádio Centenário em virtude das ameaças de violência. Por algumas horas, o Ministério do Interior do Uruguai chegou a proibir a presença de botafoguenses no estádio. Os uruguaios criam uma narrativa em que são vítimas, mas todos, inclusive o Ministério do Interior do Uruguai, sabe que a torcida do Peñarol tem nada de inocente.

 

Nas três últimas visitas ao Brasil promoveram o caos, a violência em cena de guerra que tiraram a vida do motorista de aplicativo de 24 anos, o uruguaio.

Rodrigo Ferreyra, torcedor do Peñarol, que no meio da guerra que promoveram mais uma vez em solo brasileiro não resistiu e veio a óbito. Mas as mortes não são exclusividade da guerra que a torcida do Peñarol promove quando vem ao Brasil. Basta uma pesquisa rápida para ver os falecidos nos confrontos contra o Nacional, em pleno campeonato uruguaio.  

 

O problema, no entanto, está longe de ser somente a torcida do Peñarol. Ou negaremos que brasileiros, torcedores do Fluminense, atacaram torcedores do Boca Juniors antes da final da Libertadores 2023, no Maracanã? Alguém consegue esquecer que tivemos que levar uma final de Libertadores para a Espanha por conta dos confrontos entre a torcida do Boca Juniors e do River Plate? Ou ainda vamos apagar da memória as cenas de selvageria protagonizadas no Rio de Janeiro entre torcedores do Flamengo e do Independiente?

 

A verdade é que esses episódios, todos eles, demonstram como o futebol, em vez de unir, tem sido usado como uma ferramenta de confronto alimentado por uma cultura machista e violenta. O problema não esta na torcida A ou B, o problema está nessa cultura masculina e violenta que se alimenta de preconceitos para separar o que o futebol devia unir e transformado em guerra as mais belas festas populares  do planeta.

 

A Cultura de Masculinidade Tóxica e a Homofobia no Futebol

 

A masculinidade tóxica é uma força motriz por trás dessa violência, com torcedores vendo a rivalidade como uma oportunidade para reafirmar uma ideia distorcida de virilidade, ligada à agressão e à negação do valor do que lhe é diferente. Além disso, essa cultura também é acompanhada por uma homofobia enraizada, expressa nos insultos e cânticos de muitas torcidas, que perpetuam estereótipos que excluem e marginalizam pessoas LGBTQIAP+.

 

Essa exclusão não é apenas um problema social; é uma questão de saúde pública. A Organização Mundial da Saúde já afirmou que a violência, seja física, verbal ou psicológica, impacta diretamente o bem-estar das pessoas, tanto as vítimas quanto os próprios agressores. Dados da Organização Pan-Americana de saúde revelam que homens vivem 5,8 anos a menos que mulheres em virtudes de comportamentos e doenças que tem como origem a masculinidade tóxica. Os comportamentos “machistas” contribuem para maiores taxas de mortalidade por suicídio, homicídio, vícios e acidentes de trânsito, além de doenças não transmissíveis, dizem os especialistas.

 

Essa violência também limita a participação de pessoas LGBTQIAP+ no esporte, criando barreiras para aqueles que poderiam estar nas arquibancadas, nas torcidas, nos times ou em qualquer parte da cadeia futebolística. Pior que isso, o “pânico homofóbico” faz com que jovens atletas de divisões de base, vítimas de assédio sexual, convivam som seus abusadores, com mede de que se denunciarem podem estar acabando com a própria carreira. É preciso admitir, a masculinidade tóxica e a cultura do ódio estão na raiz do problema e precisamos combatê-las.

 

A Cultura do Ódio só Serve à Extrema-Direita!

 

O clima de ódio, amplificado pela toxicidade do ambiente, acaba gerando uma divisão que não só empobrece o futebol, mas que também reflete uma sociedade permeada por preconceitos e violência, protege criminosos e vai na contramão de tudo que o esporte representa. Uma cultura que não serve aos clubes, nem aos próprios torcedores, mas serve — e fortalece — grupos antidemocráticos, falanges misóginas, grupos supremacistas e a escória homofóbica que habita esse planeta.

 

Em muitos países, a cultura de violência no futebol tem sido habilmente explorada pela extrema-direita, que a utiliza como meio de comunicação e propaganda. No Brasil, o ex-presidente e futuro presidiário, Jair Bolsonaro, fez questão de associar-se a diversos clubes, vestindo camisas, frequentando estádios e aproveitando a paixão nacional para aproximar-se dos torcedores. Sua aliança com a diretoria do Flamengo — que, cabe frisar, foi ideológica e nada institucional para ambas as partes — é um exemplo claro de como a política pode infiltrar-se no futebol para promover agendas autoritárias.

 

Bolsonaro, que pode e deve ser chamado de fascista e genocida, enxergou no futebol uma ferramenta poderosa para angariar simpatizantes, aproveitando-se da masculinidade tóxica que os torna vulneráveis ao discurso de ódio e um celeiro de militantes para suas ações antidemocráticas e violentas. Quanto maior for a cultura do ódio e da violência no futebol, mais vulneráveis nossos jovens serão a esse tipo de aliciamento e cada vez mais veremos tardes como as de quarta-feira passada, no Recreio.

 

A violência entre as torcidas latino-americanas não se resolverá apenas com repressão policial ou aumento de segurança nos estádios. É necessária uma mudança cultural, uma luta pela reconstrução dos valores no futebol e na sociedade, criando ambientes mais saudáveis, pautados pelo respeito. Essa é uma luta que precisa da unidade de todos os setores democratas e progressistas, principalmente aqueles que compõem torcidas organizadas. A derrota a cultura do ódio começa pela vitória, entre nós, da cultura do diálogo e do respeito às diferenças e divergências.

 

Adversários, sim! Inimigos, não! Paz entre torcedores, guerra ao Fascismo da Burguesia Dirigente! Romper com a cultura da violência e do ódio no futebol é fundamental para o próprio esporte sobreviver. OS dias serão cada vez mais difíceis daqui para frente, mas se avançarmos no diálogo entre nós, nossa vitória será pela prática, não por acidente!

 

 

 

Sobre o autor


José Roberto Medeiros do Nascimento

Caroca de 40 anos, Fundador do Camisa 24 e do Orgulho Torcedor. Historiador formado pela Universidade Gama Filho, Jornalista formado pela FACHA. Homossexual, apaixonado por futebol, torcedor do Flamengo. Militante por um mundo mais justo e livre de preconceitos desde 1997. Atuou no movimento estudantil por mais de uma década, trabalhou com a institucionalidade e há quase 15 anos trabalha com comunicação sindical e partidária. Atualmente participa de coletivos que lutam pela democracia, popularização e diversidade no esporte cujo nome não será citado, pois as opiniões expressas no Camisa 24 não representam nenhum partido, coletivo, entidade ou coisa do gênero. Representam apenas a opinião de quem as escreve, no caso o José Roberto da Camisa 24.

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